terça-feira, 8 de julho de 2025

Buscapé Blues — Manifesto Andarilho da Marambaia

Edwaldo Henrique Lourenço, que o povo conhece e chama de Buscapé Blues, é um artista múltiplo que faz da Marambaia não apenas cenário, mas matéria-prima viva de sua criação. Filho dessa periferia pulsante de Belém do Pará, neto da lama e da água que cortam as ruas, ele construiu, desde o final dos anos 1980, uma trajetória onde a música, a poesia marginal, a educação popular e o ativismo socioambiental se misturam numa obra que é, acima de tudo, travessia.


Buscapé Blues “causava espécie” quando começou a ocupar as quebradas de Marambaia e Icoaraci, improvisando palcos em praças, esquinas e becos onde a cultura é resistência, riso e catarse. Na Praça da República e no Memorial dos Povos, levantou plateias inteiras com seus acordes de hard rock, blues, reggae, rap — sempre atravessados por uma ironia de profeta que ri da vida enquanto cutuca as feridas abertas da cidade.

Sua música é feita de encontros: inspira-se em Raul Seixas, AC/DC, Barão Vermelho, Creedence, mas também no batuque de terreiro, no samba de esquina, no som da maré batendo nos pés de quem mora à beira do rio. É um blues urbano que carrega o cheiro do mato e o grito dos becos. Um som que não cabe numa prateleira, mas ecoa pelas ruas, bares e mercados, carregando a voz de quem muitas vezes não tem voz.

Quando lançou o primeiro CD, Ao Vivo na UFPA, gravado sem cerimônia no estacionamento do Vadião, Buscapé fez barulho até na Europa com o sucesso “Metal City”. Mas foi com o “Andarilho das Galáxias”, lançado em 2004 com apoio do Núcleo de Produção Cultural da UFPA e da Revista Pará Zero Zero, que consolidou sua imagem de cronista das periferias amazônicas. Um álbum-manifesto, costurado por reggae, blues, samba, funk e poesia de rua, que desperta nos corações o impulso de resistir, criar e rir da própria tragédia cotidiana.

Linha do tempo viva:
- Anos 1980: surgimento nas ruas da Marambaia e Icoaraci; shows incendiários na Praça da República e Memorial dos Povos.
- Década de 1990: consolidação como voz marginal e alternativa de Belém.
- Primeiro CD Ao Vivo na UFPA: registro cru, direto, sem filtro.
- 2003/2004: gravação do Andarilho das Galáxias.
- Projeto Rádio Margarida: marco essencial de sua trajetória. Ali, Buscapé atuou como educador musical e ambiental, levando poesia, canção e consciência a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Esse trabalho foi semente de uma arte que não se dissocia da prática de transformação coletiva.
- Década de 2010 em diante: clipes, participações em programas da TV Cultura do Pará, espalhando pelas telas a paisagem sonora e afetiva da periferia belenense.
- Atualmente: radicado em Salinas (PA), leva sua arte-educação, sua escuta sensível e seu artesanato popular para novos territórios, sempre de mãos dadas com comunidades, jovens artistas, professores e coletivos culturais da Amazônia urbana.

Na Marambaia, Buscapé é autor de “Ó Marambaia” — uma canção que se tornou hino afetivo do bairro. Ali, ele evoca figuras e lugares que habitam sua memória e a de quem cresce nas beiradas da cidade: a Avenida Dalva, o mercado de esquina, a avó que é símbolo de resistência e ternura entre vielas, barrancos e igarapés. Sua obra é, portanto, também um arquivo vivo de afetos, histórias, memórias e conflitos.

Quando não está com o violão ou a gaita em punho, Buscapé cria com as mãos: trabalha madeira, ferro, papel, tecido. Esculpe, pinta, monta, costura. Máscaras, quadros, instrumentos — tudo nasce de materiais recolhidos da rua, do que a cidade descarta, e se transforma em arte. O que o mundo joga fora, Buscapé reinventa. E assim ele costura canção, escultura e poesia, mantendo viva a tradição de quem faz do pouco o muito, do resto o manifesto.

Edwaldo Henrique Lourenço é referência viva para educadores, ativistas, estudantes, jovens artistas que encontram em seu trabalho o sopro de uma Amazônia urbana que não se curva. É artista de rua, mas também educador popular; é cronista do asfalto rachado, mas também guardião de águas, matas e saberes ancestrais. É múltiplo como sua Marambaia, é galáctico como seu blues que atravessa fronteiras e toca rádios europeias, mas não perde o cheiro da lama onde nasceu.

Seu som continua a crescer como mata depois da chuva. Está em processo de lançar um terceiro trabalho autoral, reafirmando que a música é travessia, a palavra é arma e a periferia é centro. Para quem insiste em ignorar, Buscapé Blues responde com acordes simples, letras cortantes, melodias lúdicas que lembram as harpas gregas — mas que também ferem, acordam, fazem rir.

Como escreveu alguém: “Estão todos surdos. E cegos. Mas Buscapé canta — e quem ainda escuta, escuta.”

Ele segue: Entre a cidade que não para e a floresta que não se cala. Entre o batuque, o blues, o rap e o reggae. Entre o lixo reciclado em arte e o silêncio feito poema. Entre o ontem, o hoje e o que ainda vem.

Edwaldo Henrique Lourenço, o Buscapé Blues, é isso: Travessia, manifesto, jangada, nave. Filho da Marambaia. Astro-rei de um sistema solar onde a periferia é centro. Andarilho das Galáxias — cronista, educador, artista visual. E sobretudo, sopro de resistência para quem insiste em existir nas bordas.

CARPINTEIRO DE POESIA

8.7.2025



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